Toda tarde o senhor Datena transmite, ao vivo, a delinquência humana que mata, rouba e destrói lares.
O foco é sempre São Paulo, mas a sua missão é passar o sentimento para todo Brasil. Doutrinar as pessoas com medo. As primeiras páginas dos principais jornais impressos do país sempre dão destaque a um grande assalto que, infelizmente, a população sofreu. A novela, o filme, as grandes elétricas, os muros altos, os cães pit bulls, vigilância privada, o porte de arma, o medo da rua, o medo dos outros, o medo do candidato mais próximo de ser um bandido. O medo nos tomou. A família da minha companheira sofreu algo que jamais eu imaginaria. Algo indesejável para o pior dos inimigos. Mas em tempos que o discurso de ódio ganha força, manter o sangue frio e seguir sonhando com um mundo melhor é desafiador.
Tudo se constrói para que a opinião pública, já com medo de tudo e todos, acredite que a solução da criminalidade, que nos assusta em vários níveis, seja a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O argumento é o clichê de sempre: “Se tem idade para roubar e matar, deve pagar por seus crimes, na cadeia!”. Todos que já passaram pelos 16 anos sabem que a maturidade estava longe. No entanto não cometemos crimes, logo, não fomos punidos por nada. Mas em qual realidade econômica e social estão submetidos jovens menores de 18 anos que, tristemente, entram para o crime? Como era sua estrutura familiar? Qual a qualidade de sua escola? Teve saúde quando precisou?
Será que o crime cometido por um jovem é o crime a ser combatido? Pedir mais encarceramento não nos levaria a analisar a realidade das prisões no Brasil? O que está por trás da “empolgante” medida para combater a violência que tanto nos dá prejuízo e sentimento de impunidade?
Vamos aos dados concretos! O país conta com 21 milhões de jovens e adolescentes, 11% do total da população brasileira. Desses, quase 60% são negros. E qual a situação desses jovens? Pegando os jovens de 15 a 17 anos, mais de 1 milhão não tinham trabalho e não estudavam. Desses, quase 65% eram negros. Desse montante de jovens que não trabalham nem estudam, 83%, a grande maioria, são classificados como extremamente pobres e vivem em famílias com renda per capta que não chega a um salário mínimo. Já os jovens que trabalham sobrevivem com a precarização e os baixos salários.
J
á os números do Mapa da Violência de 2013 são mais dramáticos. Em 30 anos, as mortes por armas de fogo, por exemplo, cresceram 346%. Mas nos casos dos jovens, esse crescimento foi de 414%. Aqui também a juventude negra aparece mais exposta, com 133% a mais de mortes do que brancos.
Um dado já bastante divulgado é o da UNICEF Brasil que mostra que, dos 21 milhões de adolescentes do Brasil, menos de um por cento (0,013%) cometeu algum crime contra a vida.
Mas e esses jovens que mataram não se beneficiam de um sistema injusto que, sob o manto da proteção dos jovens e adolescentes, não promove a impunidade? Esse é um dos maiores mitos que cerca o tema.
Segundo um estudo do IPEA, comparando o sistema socioeducacional para jovens e o penal para os adultos, é mais fácil um jovem ou adolescente cumprir uma pena de três anos em regime fechado que um criminoso adulto. Pra um adulto ficar três anos na cadeia ele precisa ser condenado a, pelo menos, 18 anos de prisão.
E por que existe euforia no Congresso para aprovar tal retrocesso e legitimar jovens, principalmente negros? Porque esses senhores são financiados por empresas de armas, de segurança e de presídios privados, que querem lucrar o quanto antes em cima da juventude da periferia.
Não existe solução imediata para nada na vida. Se querem construir presídios, que construam escolas! Já me dizia um policial: “O nosso modelo penitenciário é falido, prende hoje, solta amanhã. É superlotação demais”. Enquanto políticos roubam e ficam impunes e banqueiros, grandes empresários e multinacionais lucram aos milhares o povo fica com a crise e com o medo.